silvane luz
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Society Tupiniquim
       CAPÍTULO 8

       O dia estava nublado. Os primeiros pingos de chuva espalhavam-se pelas ruas de Recantus Paulistas, molhando a todos sem distinção. July e Guto apressaram o passo, mas não conseguiram alcançar o ônibus e como a chuva desabou de vez, correram para um edifício em construção. A chuva veio forte e o vigia não se importou que eles se abrigassem ali. Guto olhou para cima e pediu se podia mostrar a cidade a July lá do último andar. O vigia reclamou, dizendo que não podia deixar estranhos andando pela construção, mas acabou cedendo aos apelos de Guto. Deixou que os dois subissem pelo elevador provisório e voltou para sua cabine.
       — Não é legal? – perguntou Guto puxando July para junto de uma parede semi-construída – A grande metrópole a nossos pés...
       July ficou maravilhada. A chuva caindo sobre a cidade, e o sol se pondo atrás dos grandes edifícios, formando um imenso arco-íris no céu.
       — Ei, vocês aí, seus idiotas, olhem para cima! – gritou Guto, como se alguém pudesse ouvi-lo.
       July riu.
       — Está vendo todos esses edifícios envidraçados? – continuou Guto – Sabe o que vai embaixo deles? Esgoto. Toda a merda da cidade vai pelo esgoto. E embaixo de nós vivem os ratos, eles aumentam toda vez que metemos terra adentro as imundícies daqui de cima.
       — Por que está dizendo isso?
       — Sei lá. – ele pegou um pedaço de madeira e começando a entalhar com o canivete – Tinha um amigo que vivia dizendo essas coisas, era meio maluco, mas era gente boa.
       — Era? – perguntou July sentando-se no chão, junto à parede dos fundos.
       — Morreu de Aids. Coitado, ficou dias sofrendo na cama. Mas já era de se esperar, era muito doidão, vivia se picando com a seringa dos amigos.
       — E você... já usou drogas? – July ficou observando ele entalhar com uma destreza impressionante.
       — Cheguei a fumar maconha, depois larguei. Tô fora, mina, essas coisas não são pra mim. A gente usa pra esquecer a fome, pra viajar, mas depois que o efeito passa, tudo volta à mesma merda de sempre. Não resolve nada, só serve pra causar problema com os homens que vendem.
       O pedaço inútil de madeira que estava jogado no chão se transformou numa silhueta feminina que Guto entregou a July.
       — É lindo. Não sabia que você tinha esse dom.
       — Todo mundo sabe fazer alguma coisa nessa vida, o problema é que não tem chance de mostrar, principalmente nós, garotos de rua, as pessoas já nos consideram marginais por natureza, só porque somos pobres. Tem muito filhinho-de-papai que é pior que nós e ninguém fala nada. Lembra do caso daqueles três rapazes que botaram fogo no andarilho? É assim: filho de rico é adolescente, filho de favelado é marginal.


(este texto faz parte do livro Society Tunipiquim, que pode ser adquirido no site http://clubedeautores.com.br/book/2402--Society_Tupiniquim)
silvane luz
Enviado por silvane luz em 03/03/2010
Alterado em 03/03/2010
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